segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Relato - Primeiro ritual do ano (03/01/2009)


O som da flauta bambu me aquieta. Coloco o lenço no chão e respiro fundo, sentindo o ar entrando passivamente em mim. O maracá bate ritmado...tchoc...tchoc...tchoc...Im espiral se abre à minha frente e se fecha às minhas costas. O Xamã anuncia a oração do Grande Espírito, chamado com o m'baracá e o tambor. Pego no caldeirão a primeira concha da infusão de ervas, minha mente devaneia por todos os momentos do passado em segundos. Com a segunda concha, esfrego o rosto, e enxugo os olhos protegendo-os das lágrimas que ali correram. Ainda ajoelhada, totalmente nua, com apenas o colar de sementes no pescoço, vou me banhando, concha a concha da infusão e cantando "ioná, hei,hei, ianáa ianahô, ianá, hei,hei hou hei"...
Em seguida, uma longa meditação, agradecendo á presença dos Xamãs que ali vejo ao meu redor e percebo outros no lado de fora me aguardando. Continuo me banhando com a infusão de ervas, sentindo as folhas e as pétalas grudando no meu corpo com seu cheiro intenso. E sigo cantando..."auá, auá, iê, iá, caá yraí, iê iá..."
Me levanto cantando, bem concentrada ainda, nhanandumirim veperopatá....limpo com as ervas cada uma das cicatrizes visíveis no meu corpo e as invisíveis também. Quando limpei meu corpo todo, deixei o restante da infusão me banhar por completo. Permaneço ajoelhada por alguns momentos, de olhos fechados, peço a presença d'algum animal de poder, e uma serpente, linda e grande cascavelabraça minhas pernas, serpentando pelo meio das minhas pernas, abraça minha cintura, e a partir do centro das costas, bem na coluna, sobe por ela até a altura do ombro, retilienarmente, e repousa a cabeça no alto de minha cabeça. Me vejo no espelho com olhos brilhantes e algo de selvagem. Cubro-me com o véu branco, e ao bater as asas, uma poeira densa se vai. Ao fundo dos cantos xamânicos, uma Loba uiva, e eu sei que está aguardando minha resposta, e eu uivo de volta, e ela vem, grande e forte, uma Loba Cinzenta senta-se ao meu lado. A mulher velha, de véu branco e verde circula pelo quarto. Estão lá também todos os espíritos amigos. Me abraçam, acalentam, passam a mão em meu rosto e cabelos. Me despeço deles quando eles se despedem de mim. Me deixam bençãos. "Querendo você ou não, atenta ou não,estamos sempre por aqui." .A Serpente e o Lobo se vão com a Velha.
Agora, que venha o próximo ciclo. Estou pronta.
Estou e sempre estarei aberta a eles.

E foi depois deste ritual que o meu trabalho começou a render. Colares, fitas de cabeça, adornos em geral, todo com materiais naturais, sementes, contas, penas, flores, folhas...em breve, posto imagens dos objetivos alcançados, e o que resultou tamanha inspiração.
Obrigada, Mãe, obrigada ao Pai. Que haja paz, acima e abaixo, dentro, fora e no Centro.

Um comentário:

  1. Caramba! Que experiência foda! Uma mulher integrando sua natureza selvagem!
    Uma mulher assim só pode ser realmente reflexo da Deusa^^é a pata traseira da raposa!
    Ou da Loba!
    Ou ainda o rastro da serpente!
    E todas elas^^para as que vierem depois...

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