Eu lá estava, mais uma vez diante de um círculo. Sentia a aflição de uma senhora, a dureza e o medo enraizados tão forte em seu corpo de forma que seus ombros endurecidos elevavam-se como montanhas. A menina cujo coração acelerava a cada palavra do Xamã, feliz por enfim encontrar um grupo que realizava aquilo que ela só imaginava ao ler livros. A mulher vivida que estava agora, aliviada por suas "missões familiares" estavam encerradas e que respirava e vivia cada dia novo daquela nova mulher que ela mesma descobrira ser. O Xamã Marcelino, doce e simpático, com a voz mansa e o olhar carinhoso, e o Xamã Edson, com seu carinho ancião, seus olhos transbordando sorriso e sabedoria. Em consenso, todos ávidos, porém não ansiosos, em aprender e ensinar.
Antes de entrar no círculo, purificamo-nos com o M'baracá e com a fumaça de sálvia. Cada chegada era recebida com sorrisos, e a doçura presente ali, me relembrava a razão de eu estar há tanto tempo escondida na cova.
Havia sido doce e aberta demais. Não sei ser de outro jeito, e me abri, dei uma chance para um vampiro. Quando ele me atacou, o medo foi tanto que eu fugi e me tranquei de novo, estava de novo, escondida dentro da toca, lambendo feridas. Precisava agora, reaprender mais uma vez a me deixar ser.
O Oráculo me mandou a mensagem do Espaço Sagrado e do Respeito. Eu sabia. Eu não respeitava mais os limites de ninguém, a começar pelo meu próprio. Eu era de novo a Loba machucada, rosnando a todo lado. E me levei a alma até aquele círculo justamente por saber que ali, eu não iria rosnar. Estou cansada de ser brava. Estou abandonando esse personagem.
O talkin stick foi passado de mão em mão, após a jornada da criança interior. A criança que me apareceu, a Loba Véia (que sempre aparece nas minhas jornadas) que me trouxe. Ela estava de costas, num trecho mais distante da campina. A Loba me olhou e olhou para a criança, indicando a ela que eu estava lá. Ela veio, e me olhou, eu estava ajoelhada diante dela. Era uma criança linda, de cabelos lisos e negros, pele morena de sol, e olhos de "bicho preguiça". Ela me abraçou e escondeu seu rosto em meus cabelos com um esboço de sorriso. Aquele sorriso doce e meigo que só crianças sabem dar, tão espontaneamente. Seus dentes pequenos e brancos em uma linha perfeita. A abracei, fechando os olhos, e com toda a força. Ela me olhou, e aos poucos, foi ficando transparente. Uma fumaça que eu respirei fundo e deixei que me inundasse os pulmões. A doçura e a espontaneidade infantil.O carinho gratuito. A Loba Véia me olhou com os olhos ansiosos, como ela sempre me olhava quando o tambor chama. "Vamos?"..."tá seguro, pode vir...sai dessa toca, não tem perigo..."...encolhi os ombros e fui correndo com as minhas quatro patas atrás da Loba. Ela me esperava sentada diante do velho Carvalho. Encostei-me nele, e ele se abriu, e eu estava de volta ao mundo. Com o carinho, com a doçura inocente da Criança, e com a segurança de que a Loba sempre me emprestaria seu faro, e que não preciso atacar para me defender.
E foi exatamente assim como eu descrevi a minha jornada na roda Xamânica, quando peguei o talkstick...cada abraço que dei foi com o coração, e cada abraço que recebi, foi com o coração aberto.
Tocamos os tambores, dançamos em Círculo, agradecemos a Pachamama, e Wakantanka, Jurema e Jurem, ao Salgueiro e aos animais de Poder, e aos guardiões das Torres das quatro direções Sagradas.
E assim foi, quando uma pessoa, tempos depois, que não gostava de mim, virou uma grande amiga. Justamente por que eu não rosnei, dei-me uma chance de ser quem sou, e pedi-lhe uma chance de mostrar quem eu sou.
Sou a Alê Lobo e assim falei.
HO!
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